terça-feira, 19 de maio de 2009

Linguagem


LINGUAGEM

A gente falamos do jeito que a gente quer. Ao sabor do som que nos seduz. Falamos de acordo com a herança deixada pelos nossos pais. Permitimo-nos a alguns deslizes de concordância ou alguma pronúncia incorreta, pois estas são parte de nossas conquistas lingüísticas. O vocábulo “poblema” faz parte de minha história, o valor semântico é o mesmo de quem tem problema, contudo, só eu sei o quanto foi bom resolver pelo menos um dos problemas, o lingüístico. Um outro, ilharga, que obedece à norma culta, mas está tão obsoleto que ninguém se atreve a usá-lo. Tenho um carinho enorme pela ilharga, parece-me mais melódico, familiar, aconchegante que o seu sinônimo: beira. Você não concorda?
Luís Fernando Veríssimo ensina-nos que a gramática deve apanhar todos os dias para aprender quem manda, Gigolô das palavras. Concordo inteiramente, devemos utilizar todos os falares para compor nosso discurso, façamos uso da polifonia discursiva de que somos herdeiros. Façamos poesias com a sonoridade da fala dos Brasis que conhecemos e até mesmo dos que só ouvimos falar, é possível, Budapeste quem o diga.
Quem disse que nunca mais poderei utilizar o meu tão saudoso poblema? Claro que posso, para isso devo apenas criar um personagem que ainda esteja na travessia. Tudo me é permitido. E mais: tenho um laboratório vivo, em cada esquina existem falares singulares, livres do jargão certo e errado; tenho a vivência desta fala marginalizada, e que se sente impotente diante de uma senhora que censura a todos os que ousam não utilizar o seu uniforme.
Bom, agora estamos libertos. Resta-nos mostrar quem manda. Para isso, é necessário subjugar a gramática normativa como ensinou o mestre Verríssimo. Como fazê-lo? Alguém conhece um gigolô que não domine a arte de amar? Que não seja sedutor, atraente, sexy? Nem eu. Esta travessia é solitária, dolorosa, lenta, laboriosa: é a travessia do domínio da escrita. A fala coloquial permite pequenos deslizes ou até mesmo os grosseiros. Tudo é permitido, compreendido, relevado; mas a escrita é implacável.
É por saber como é imprescindível este domínio, que luto com a composição da palavra escrita. Luto para que esqueçamos aquela professora de língua materna que nos fazia decorar todas as desinências verbais ou ensinava substantivos, adjetivos, verbos.... como se estivesse ensinando outra língua . sentia-me imbecilizada quando surgiam aquelas frases mecânicas na lousa: João é bonito. Encontre e classifique o substantivo. Eca! Qual a relevância de saber sobre um João que eu nem conheço.
A gramática normativa deve ser consultada sim. Mas não como um fim, deve ser utilizada como instrumento de trabalho, devemos recorrer a ela quando tivermos dúvidas. O mais importante, deixa eu entregar o ouro, é a leitura. Devemos ler de tudo: poesias, contos, revistas, romances... tudo! Não existe leitura difícil, o texto alcança tão somente a capacidade analítica de seu leitor. Quando percebemos que os textos escondem muitos segredos, e só quem tem a chave é capaz de revelá-los, ah, como é excitante participar do jogo.
Ainda recorrendo à metáfora da disputa amorosa, quanto mais complicado o romance, mais irresistível ele se torna. Um bom texto é tão sedutor que passamos horas degustando suas palavras, suas construções, recriando suas imagens, sentindo seus cheiros e percepções. Um tear bem trabalhado pode narrar qualquer trivialidade, qualquer besteira, que consegue ser arte.
Ubaldo Ribeiro escreveu sobre a luxúria em A casa dos budas ditosos, seria uma narrativa tipo Sabrina ou Bianca se não fosse tecida por Ubaldo Ribeiro. É isso aí, leia muito e escreva bastante.

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